Veículo não pode ser apreendido por débitos de IPVA

Apesar de ser prática comum como forma de coagir o cidadão a pagar os tributos vencidos, a apreensão de veículo por atraso no pagamento de IPVA é um abuso por parte da Administração Pública.

Se acontecer do seu veículo ser apreendido em uma blitz em virtude de estar com o IPVA vencido, saiba os argumentos jurídicos para se defender.

Primeiramente, é importante saber que o IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores) se trata de um imposto cobrado anualmente pelo Estado, tendo, em regra, alíquota de 2,5%.

O CRLV (Certificado de Registro e Licenciamento de veículos), por sua vez, é um documento de porte obrigatório que concede o direito de livre tráfego ao veículo. Caso seja solicitado pela autoridade de trânsito, sua apresentação é obrigatória, sob pena de multa e perda de pontos na carteira, caso não esteja portando o documento ou esteja com o licenciamento atrasado.

Estabelece o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 230, V, a condução do veículo que não esteja registrado e devidamente licenciado, tratando a situação como infração gravíssima e penalidade de multa e apreensão do veículo.

Ocorre que, no entanto, o citado artigo é inconstitucional, pois reflete uma sanção política pela qual o Contribuinte, em virtude de não estar em dia com suas obrigações, é punido em evidente violação ao direito fundamental de gozo de sua propriedade (art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal), ainda que temporariamente.

A questão é que para ter o licenciamento é necessário pagar o IPVA, taxas e demais multas que estejam registradas no veículo. Portanto, ainda que o objeto da fiscalização seja o licenciamento do automóvel e não a quitação do IPVA propriamente dita, o licenciamento está umbilicalmente ligado ao adimplemento da obrigação tributária, o que igualmente implica em sanção política.

São cabíveis blitz que tenham por objeto fiscalizar a regularidade do CRLV por motivo diverso ao adimplemento do IPVA, devendo, para tanto, o ente público munir-se de todo o aparato necessário para que tenha condições de fazer essa diferenciação no momento da realização da blitz.

Frise-se que, pelo nosso ordenamento jurídico vigente, é vedada a imposição de sanção política como forma de coagir o Contribuinte a recolher tributo com pagamento atrasado. É evidente que o ente público pode cobrar pelo imposto em atraso, mas terá que se utilizar dos meios legítimos e eficazes para cobrar seus créditos, sem que, para isso, restrinja, direta ou indiretamente, o direito de propriedade do veículo.

Sobre o tema, merece destaque o ensinamento do doutrinador Paulo Roberto Coimbra Silva que leciona: “A par da proporcionalidade, o princípio constitucional do “due process of Law exige que a Administração, para promover a cobrança dos tributos que se julga credora, notifique o devedor para que este, querendo, exerça seu inafastável direito de defesa ainda na esfera administrativa, como requisito de validade do lançamento. Após decisão administrativa irrecorrível, convalida-se o ato do lançamento, que deve ser sucedido da inscrição do correlato crédito tributário em dívida ativa para, após a emissão da respectiva CDA Certidão da Dívida Ativa, executá-la judicialmente, nos exatos termos da LEF c/c artigos 201 e seguintes do CTN”. (IPVA: Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 178 e 179).

De dizer-se, ainda, que pelo Princípio da Legalidade, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei prevê, no entanto, não existe na legislação vigente expressa autorização para que ocorra a apreensão do veículo por atraso no pagamento do IPVA.

Há jurisprudência favorável inclusive ao arbitramento de indenização por danos morais contra o Estado em benefício daquele que tiver seu veículo apreendido em blitz por atraso no pagamento de IPVA. Existe discussão, ainda, acerca da existência de danos materiais (pelo desgaste dos veículos nos pátios de veículos apreendidos) e lucros cessantes (para aquele que sofreu prejuízos em virtude da interrupção da utilização de seu veículo).

Conclui-se, desta forma, que a conduta da Administração Pública de apreender veículos por motivo de débito tributário viola direito fundamental do contribuinte, devendo, desta forma, ser combatida.

 

 

* por Maria Letícia Rego Coelho Moreira (OAB/BA 33.707)

 

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