O Direito à desconexão e o dano existencial

O direito ao trabalho é intrinsecamente ligado à autorrealização do ser humano, haja vista ser um instrumento fundamental para a concretização de um outro direito essencial: o direito à felicidade. O trabalho, portanto, deve ser digno e observar o ser humano em sua totalidade (artigos 1º, II e IV, 6º, 7º e 170, caput, da Carta Magna).

 

Uma das principais características de um trabalho digno é a limitação da jornada, garantindo-se ao trabalhador condições razoáveis de labor, com a preservação da sua saúde e higidez física e mental. Neste contexto é que surge o direito à desconexão, conceituado como a proteção que deve ser dada ao trabalhador para que este possa, desligando-se das suas atividades laborais por determinado período, dedicar-se aos outros aspectos essenciais da sua vida (família, lazer, cultura, saúde, religião etc.).

 

Tal direito à desconexão é, pois, uma limitação aos poderes do empregador, que deve garantir aos seus empregados  uma jornada que respeite os dispositivos legais,  constitucionais e normativos, inclusive no que toca aos períodos de repouso (intervalos intra e interjornada, repouso semanal remunerado, férias etc.).

 

A obstrução à desconexão, portanto, pode gerar um dano existencial, definido pelo TST como “espécie de dano extrapatrimonial que tem como principal característica a frustração do projeto de vida ou comprometimento das relações sociais do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade e o seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano, em decorrência de ato ilícito do empregador[1].

 

Trata-se, portanto, de modalidade de dano extrapatrimonial autônoma em relação ao dano moral, uma vez que decorre especificamente da frustração do projeto de vida do trabalhador, da sua realização pessoal, da sua felicidade, gerando a necessidade de reparação civil independente do dano moral.

Situação de extrema ausência de respeito ao direito à desconexão tem sido observada, há algumas décadas, no Japão, conhecida como “síndrome de karoshi”[2], termo que significa morte causada pelo excesso de trabalho, o qual acaba acarretando reações fisiológicas fatais no organismo humano quando este é exposto, durante um longo período, a jornadas excessivas, aliadas, em alguns casos, a situações de estresse desmedidas.

 

Tais condutas ilícitas violam não apenas o direito à desconexão, mas também o próprio direito ao trabalho, à dignidade e à personalidade do trabalhador (integridade física e moral), gerando, assim, danos de natureza material, moral e existencial.

 

Destaque-se, por fim, que algumas modalidades de labor são, inclusive, mais propensas a gerar o mencionado dano existencial, uma vez que a limitação da jornada se torna mais tênue e difícil de ser averiguada, a exemplo dos regimes de sobreaviso, dos petroleiros, dos turnos de revezamento e até mesmo do trabalho à distância (teletrabalho), devendo ser adotados pelos empregadores ainda mais cuidados com o meio ambiente laboral (cf. Convenção 155 da OIT), evitando danos à saúde dos trabalhadores e, por conseguinte, indesejáveis passivos trabalhistas.

 

 

*por Lucas Costa Moreira (OAB/BA 31.274)

[1] AIRR 619-72.2016.5.06.0002. Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta. Data de Julgamento: 04/09/2018. 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/09/2018.

[2] https://www.psiquiatriaocupacional.com.br/Blog/sindrome-de-karoshi-morrer-de-trabalhar

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