A Reforma Trabalhista limitou a 50 salários as indenizações aos trabalhadores e familiares vítimas de tragédias como a de Brumadinho?

O jornalista do portal UOL Leonardo Sakamoto publicou, no dia 27/01/2019, reportagem com a seguinte manchete: “Reforma Trabalhista limita indenização a vítimas da tragédia a 50 salários[1]. Tal reportagem foi compartilhada por diversas pessoas nas redes sociais, inclusive pelo ex-candidato da República Fernando Haddad, através de sua conta no Twitter (@Haddad_Fernando). Mas houve mesmo tal limitação pela Reforma?

Alguns esclarecimentos precisam ser feitos.

Inicialmente, é importante separar a natureza dos danos causados, que podem ser extrapatrimoniais (danos morais, estéticos, existenciais) ou patrimoniais (danos materiais).

Os danos extrapatrimoniais são aqueles que envolvem lesões a bens imateriais da pessoa, a exemplo da honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física. Já os danos materiais são aqueles relacionados ao patrimônio, englobando os danos emergentes (aquilo que efetivamente se perdeu com o acidente) e os lucros cessantes (aquilo que deixou de se ganhar com o acidente).

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) limitou, em seu artigo 223-G, § 1º, apenas a indenização por danos extrapatrimoniais, em nada se referindo às indenizações por danos materiais. A parametrização da indenização por danos morais foi feita pela Reforma nos termos da tabela abaixo:

TARIFAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL DECORRENTE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Gravidade da Ofensa Limitação da Indenização
Natureza Leve Até 3x o último salário contratual do ofendido
Natureza Média Até 5x o último salário contratual do ofendido
Natureza Grave Até 20x o último salário contratual do ofendido
Natureza Gravíssima Até 50x o último salário contratual do ofendido
* em caso de reincidência, esses valores podem ser elevados ao dobro

 

No que se refere aos danos materiais (patrimoniais), não há, portanto, nenhuma limitação legal, podendo o juiz fixar a indenização de acordo com cada caso a ele submetido através de um processo. A indenização por dano material, inclusive, costuma ser maior do que a derivada de danos morais, principalmente em casos envolvendo mortes ou perda da capacidade laborativa, ocasiões em que costumam ser deferidas reparações pelos prejuízos patrimoniais sofridos de forma imediata (danos emergentes) e pensões vitalícias, com lastro nos seguintes dispositivos do Código Civil:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Como bem ressaltou a juíza do trabalho Ana Fischer em seu Twitter (@anafischer), “a indenização por danos materiais é a que mensura, de fato, a perda econômica do dependente da vítima e, se bem arbitrada, o ampara como se não tivesse perdido (economicamente, por óbvio) o ente querido. Não existem limites legais para essa indenização”.

No triste e recente caso de Brumadinho, por exemplo, tanto o trabalhador acidentado (nos casos de acidente sem morte) como os seus dependentes (nos casos de acidente com morte) podem ajuizar ações na Justiça do Trabalho pleiteando, contra os empregadores, indenizações por danos morais e materiais, sendo que estas últimas não possuem qualquer limite de fixação, como aqui já apontado.

Para ilustrar, em um caso hipotético de uma demanda ajuizada pela esposa de um empregado da VALE falecido no fatídico acidente, ocorrido na última sexta-feira (25.01), poderia o juiz do trabalho responsável pelo caso fixar as seguintes indenizações:

Salário do trabalhador falecido: R$ 3.000,00

 Idade do Trabalhador: 35 anos (Expectativa de Vida: 75 anos)

 a) Indenização por danos morais: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) – 50x salário;

b) Indenização por danos materiais na modalidade de pensionamento pago de uma só vez: R$ 1.440.000,00 (um milhão quatrocentos e quarenta mil reais) – 40 anos de expectativa de vida X salário de R$ 3.000,00;

 c) TOTAL: R$ 1.590.000,00

Percebe-se, portanto, que a manchete publicada pelo jornalista Leonardo Sakamoto é apenas parcialmente verdadeira, uma vez que a limitação prevista pela Reforma Trabalhista se refere apenas às indenizações por danos extrapatrimoniais, não englobando as indenizações por danos materiais, as quais, inclusive, costumam ser bem superiores, ressarcindo efetivamente os prejuízos patrimoniais causados à vítima e/ou aos seus familiares que dele dependiam.

 

*por Lucas Costa Moreira (OAB/BA 31.274)

 

[1] https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/01/27/reforma-trabalhista-limita-indenizacao-a-vitima-de-brumadinho-a-50-salarios/

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